Nunca vi um homem olhar e sorrir, sentar-se e caminhar desta maneira, quem me dera poder também olhar e sorrir assim, sentar-me e caminhar assim, tão livre, tão venerável, tão secreto, tão aberto, tão ingénuo e cheio de segredos. Na verdade, só o homem que penetrou nas profundezas de si mesmo consegue olhar e caminhar assim. Mas também eu tentarei penetrar nas profundezas de mim mesmo...
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Vi um homem, um único, perante quem tive de baixar os meus olhos. Não voltarei a baixar os meus olhos perante nenhum outro, nunca mais...
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Ele roubou-me, roubou-me e deu ainda mais. Roubou-me os meus amigos, que em mim criam e agora apenas nele crêem, que eram a minha sombra e que agora são a sua sombra. Mas deu-me --------, eu próprio...
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«Mas o que era isso que querias aprender com doutrinas e com mestres e que eles, que tanto te ensinaram, não te podiam ensinar?»
Era o Eu, cujo sentido e natureza eu queria conhecer. Era o Eu, de que eu queria libertar-me, que eu queria vencer. Mas não fui capaz de o vencer, apenas de o enganar, de fugir dele, esconder-me dele. Na verdade, nada no mundo ocupou tanto os meus pensamentos como este Eu, este enigma, o facto de eu estar vivo, de existir separado e isolado dos outros, de ser --------! E sobre nada no mundo sei tão pouco como sobre mim próprio, sobre --------!
O facto de nada saber acerca de mim, de -------- continuar a ser tão estranho e desconhecido de mim mesmo, tem uma causa, uma única: eu tinha medo de mim, estava a fugir de mim! Procurava, procurava, estava disposto a fragmentar o meu Eu para descobrir nas suas profundezas desconhecidas o cerne de todas as coisas, a vida, o divino, o ultimo. Mas, desta maneira, perdi-me de mim mesmo.
Ah... não quero que -------- me volte a escapar! Não quero voltar a iniciar os meus pensamentos e a minha com Deus e com o sofrimento do mundo. Não quero voltar a matar-me e a fragmentar-me, para encontrar um segredo escondido por entre destroços. Não quero aprender mais com alguém. Quero aprender comigo mesmo, quero ser o meu aluno, quero conhecer-me, conhecer esse segredo chamado --------.
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Olhei em redor, como se visse o mundo pele primeira vez. O mundo era belo, o mundo era colorido, o mundo era estranho e misterioso! Era azul, era amarelo, era verde, corria o céu o rio, a floresta e a montanha erguiam-se, tudo era belo, tudo era enigmático e magico.
Tudo isto, todo este amarelo e azul, rio e floresta, entrava pela primeira vez nos meus olhos, já não era a magia, já não era o véu, já não era a multiplicidade absurda e acidental do mundo das aparências, desprezível dos olhos dos profundos pensamentos, que rejeitam a multiplicidade e procuram a unidade. O azul era azul, o rio era rio, e quando o uno e o divino viviam ocultos no azul e no rio, essa era justamente a forma e o espírito divino de ser aqui amarelo, aqui azul, alem céu, alem floresta e aqui Eu. O espírito e o ser não estavam algures por detrás das coisas, estavam nelas, em todas elas.
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Como fui cego e tolo! Quando alguém quer determinar o sentido de algo que lê, não despreza os sinais e letras chamando-lhes engano, acaso e casca inútil, mas lê, estuda e ama-o, letra por letra. Mas eu, que queria ler o Livro do Mundo e o Livro do meu próprio ser, desprezei as letras e os sinais devido a um sentido preconcebido, chamei engano ao mundo das aparências, chamei aparência casual e inútil aos meus olhos e à minha língua. Não, isso já é passado, eu despertei, na verdade despertei e nasci hoje pela primeira vez.
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Já não sou o mesmo que era, já não sou... já não sou... já não sou. O que vou eu fazer na casa do meu pai? Estudar? Fazer sacrifícios? Meditar? Tudo isso já é passado, tudo isso não está já no meu caminho...
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